quarta-feira, 8 de agosto de 2012

O Amor Adestrado - Alberto Goldin


"TENHO 22 ANOS E NAMORO A MESMA GAROTA desde os 15. Começamos bem devagar e construímos aos poucos uma relação mais sólida. Todavia, passamos por diversos problemas familiares, financeiros, mentiras bobas que ela dizia. Sempre tivemos um bom diálogo, e isso nos permitiu ficar juntos todo esse tempo. Acontece que determinado dia eu percebi que estava completamente cansado dessa relação. Tinha me tornado uma pessoa estressada, de pouca paciência e a calvície estava chegando. Resolvi então dar um tempo para me revigorar, repensar minha vida, quando ela iniciou a conversa que causou nossa separação. Tem sido muito difícil suportar essa separação porque eu tinha planos grandiosos para nós. Por outro lado, sei que sou jovem e existem outros caminhos a percorrer. Conheço os métodos para voltar para ela, e os métodos para afastá-la de vez da minha vida. O problema é que meu coração virou um cachorro treinado, e sua falta de naturalidade, instinto, seu impulso que afasta a razão têm feito muita falta. Estou tomando tranqüilizantes. Preciso de ajuda. AGOSTINHO, Rio de Janeiro, RJ "
ERAM JOVENS E SE AMAVAM. NUM CERTO DIA SEM aviso prévio deixaram de se amar, o tempo os tinha enferrujado, as pratas tinham perdido seu brilho e os olhares inquietos foram se apagando. Por quê? As teorias se acumulam sobre a escrivaninha: desejo de mudança, procura por novidades, falta de projetos. Os amores são projetos, plantas de prédios que precisam se transformar em colunas, tijolos e concreto, senão evaporam. O amor tem tempo de validade e só sua transformação o renova. Às vezes, uma separação, principalmente quando é dolorosa, torna o parceiro ausente tão presente, que o amor, já renovado, impõe-se novamente. A separação é a prova dos nove e a prova de coragem que todo amor merece. Não há bons amores sem arrependimento: não deveria continuar ou não deveria parar, isso sem contar os que se arrependem amargamente de terem se arrependido. Tudo funciona em círculos inexoráveis que levam a questão ao seu ponto de partida, que é a solidão. E o mais notável é que essa mesma solidão é o motivo pelo qual deixamos de amar. Agostinho levanta uma questão relevante: seu coração é um cachorro adestrado, decorou o código dos procedimentos afetivos. Sabe o que deveria fazer, tem as palavras certas para seguir ou terminar e o que espera é um sinal instintivo para se orientar, uma prova genuína e irracional que o dirija neste momento tão difícil, uma verdade mais certeira, não contaminada pela razão, e que mostre de uma forma clara e eficaz a saída ou a entrada na relação. Acredito que o entendo e temo que minhas palavras o deixem ainda mais perplexo. Tem que tomar uma decisão e terá que arcar com suas conseqüências. O inconsciente é mesquinho, não entrega as suas chaves. A vida, assim como o destino, constitui-se de decisões que só serão certas ou erradas quando o futuro der o seu veredicto.
Se estiver infeliz, deve mudar e, se continuar infeliz, então deve mudar novamente. Uma palavra de consolo, Agostinho sente-se culpado por tomar decisões puramente racionais, por filtrar seus afetos, para ele isso não é amor. Da minha parte considero que sua preocupação é exagerada. A razão, ainda que tenha a aparência de estar cheia de lógica e argumentos, não é mais razoável que o afeto. A pura racionalidade é tão louca e perigosa como a afetividade pura. Por isso, a única solução possível é amar e pensar simultaneamente. Amar muito e pensar ainda mais. A respeito de sua preocupação de estar agindo como cachorro adestrado, devo informá-lo que não é o único, todos somos, com o agravante de que o adestrador não terminou sua obra. Por isso, nos momentos decisivos, quando estamos impacientes e desesperados, agimos como os verdadeiros cachorros adestrados, procuramos pessoas cegas de boa vontade que nos digam para onde ir.


Alberto Goldin - Revista O Globo 04 de dezembro de 2005.

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