quarta-feira, 8 de agosto de 2012

Direita ou Esquerda - Paulo Coelho


Chego a Santiago de Compostela, desta vez de carro, para celebrar minha peregrinação há 20 anos

Chego a Santiago de Compostela, desta vez de carro, para celebrar minha peregrinação há 20 anos. Quando estava em Puente La Reina, veio a ideia de fazer tardes de autógrafos sem grandes preparações: bastava telefonar para a próxima cidade onde deveríamos dormir, pedir que colocassem um cartaz na livraria local, e estaria ali na hora marcada.
Funcionou magnificamente nas pequenas aldeias, embora exigindo um pouco mais de organização em grandes cidades, como a própria Santiago de Compostela. Tive um contato inesperado com os leitores, e aprendi que coisas feitas com amor podem ter o improviso como um grande aliado.
Santiago estava agora diante de mim. E algumas dezenas de quilômetros mais adiante, o Oceano Atlântico. Mas estou decidido a seguir adiante com as tais tardes de autógrafos improvisadas, já que pretendo ficar 90 dias fora de casa.
E como não pretendo atravessar o oceano neste momento, devo ir para a direita (Santander, País Basco) ou esquerda (Guimarães, Portugal)?
Melhor deixar que o destino escolha: minha mulher e eu entramos em um bar, e perguntamos a um homem que está tomando um café: direita ou esquerda? Ele diz com convicção que devemos seguir à esquerda - talvez pensando que nos referíamos a partidos políticos.
Telefono para o meu editor português. Ele não pergunta que loucura é essa, não reclama de avisá-lo em cima da hora. Duas horas mais tarde me chama, diz que contatou as rádios locais de Guimarães e Fátima, e em 24 horas posso estar com meus leitores naquelas cidades.
Tudo dá certo.
E em Fátima, como um sinal, recebo um presente de uma das pessoas que estão ali. Trata-se dos escritos de um monge budista, Thich Nhat Hanh, intitulado The Long Road to Joy (A Longa Estrada para a Alegria). A partir daquele momento, antes de continuar essa jornada de 90 dias pelo mundo, passo a ler todas as manhãs as sábias palavras de Nhat Hanh, que resumo a seguir:
1) Você já chegou. Portanto, sinta o prazer em cada passo, e não fique preocupado com as coisas que ainda tem de superar. Não temos nada diante de nós, apenas um caminho para ser percorrido a cada momento com alegria. Quando praticamos a meditação peregrina, estamos sempre chegando, nosso lar é o momento atual, e nada mais.
2) Por causa disso, sorria sempre enquanto andar. Mesmo que tiver que forçar um pouco, e achar-se ridículo. Acostume-se a sorrir, e terminará alegre. Não tenha medo de mostrar seu contentamento.
3) Se pensa que paz e felicidade estão sempre adiante, jamais conseguirá atingi-las. Procure entender que ambas são suas companheiras de viagem.
4) Quando anda, está massageando e honrando a terra. Da mesma maneira, a terra está procurando ajudá-lo a equilibrar seu organismo e sua mente. Entenda esta relação, e procure respeitá-la - que seus passos sejam dados com a firmeza de um leão, a elegância de um tigre, a dignidade de um imperador.
5) Preste atenção ao que acontece a sua volta. E concentre-se em sua respiração - isso o ajudará a libertar-se dos problemas e das ansiedades que tentam acompanhá-lo em seu caminho.
6) Ao caminhar, não é apenas você que está se movendo, mas todas as gerações passadas e futuras. No mundo chamado de real o tempo é uma medida, mas no verdadeiro mundo não existe nada além do momento presente. Tenha plena consciência de que tudo que já aconteceu e tudo o que acontecerá está em cada passo seu.
7) Divirta-se. Faça da meditação peregrina um constante encontro consigo mesmo; jamais uma penitência em busca de recompensas. Que sempre cresçam flores e frutas nos lugares onde seus pés tocaram.

Revista O Globo 21 de maio de 2006.

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