quarta-feira, 8 de agosto de 2012

The Guitar man - Martha Medeiros


Eu fui criada ouvindo Beatles, Janis Joplin, Rita Lee, Lou Reed e Tina Turner, era minha trilha sonora da infância, o que não impediu que uma aguazinha com açúcarentrasse no meu repertório. Aos onze anos de idade, minha música preferida era "The Guitar Man", de um grupo chamado Bread, que não chegou a entrar para a história,a não ser pra minha.
 

Era uma balada bonita, que falava de um músico que estava sempre na estrada mexendo com as emoções daqueles com quem cruzava. " Who draws the crowd andplays só loud, baby, ifs theguitar man..." e foi o que bastou para esse personagem virar meu príncipe encantado, muito mais do que aqueles loiros em cavalos brancos que entravam mudos e saíam calados dos contos de fada, sempre com ar de sonsos.
 

Adoro bossa nova, sou louca por jazz, este ano curti com alegria Norah Jones, Jorge Drexler, John Pizzarelli, Madeleine Peyroux, mas nada se compara ao poder eletrizante de um guitarrista clássico, e estou falando logicamente da lenda que acabou de se apresentar no Brasil, Buddy Guy, que não tem nada de cool, e sim de incendiário.
 

Nessas horas minha sofisticação vai pró ralo e eu quero mais é... é... sei lá, devo ter sido uma stripper em outra encarnação.
Assisti ao espetáculo do rei do blues em Porto Alegre, onde ele transformou o teatro num estádio de futebol. Foi eletrizante, celebrou-se o lado mais quente da vida.
 

Os integrantes da banda lidavam com os instrumentos como se eles fossem extensão do próprio corpo, e Buddy, do alto dos seus 69 anos, mostrou que idade é um conceito muito relativo e que tem muito garoto de vinte que precisa de umas liçõezinhas sobre o que é vigor.
 

A maioria dos gêneros musicais provocam arrepios na alma e no coração, são absorvidos pelos ouvidos e se instalam dentro da gente de forma tranqüila e apaziguadora.
 
O blues e o rock, primos-irmãos, não se assentam assim tão facilmente dentro de nós. Eles são assimilados através da pele também, nos reviram, impulsionam, provocam reações físicas mais nervosas, despertam em nós o tarado, o revolucionário, o selvagem, o herege. Já ia esquecendo: a stripper.
 

Guitarra, bateria, piano, sax, gogó e veneno, tudo misturado, cativam pelo que têm de vibrante e sexy. Já virou clichê dizer que o rock é mais atitude do que música, e se formos ampliar isso para a vida fora do palco, podemos dizer que Elis Regina, por exemplo, foi uma grande roqueira, assim como o jornalista Paulo Francis, que também tinha uma postura muito rock'n'roll, mesmo considerando rock música de jeca e sendo o rei dos eruditos.
 

O show de Buddy Guy foi, antes de tudo, um workshop: ele saiu do palco várias vezes, circulou por todos os ambientes, misturou-se à platéia, desarrumou-a, seduziu-a, quebrou o protocolo, divertiu e divertiu-se sem parar um único segundo de tocar - e ainda se deu ao luxo de homenagear John Lee Hooker, Jimi Hendrix e Eric Clapton, sem deixar de ser ele mesmo, dono e senhor do seu blues. Por que tudo isso faz bem? Porque o cotidiano anda muito monocórdico, as notícias andam muito repetitivas e a natureza pulsante da gente, pouco provocada. bom lembrar que podemos ser viscerais sem nos rendermos à vulgaridade, ser lascivos através do blues e suas guitarras, e ficarmos excitados sem perder a classe.
 
Revista O Globo- 4 de dezembro de 2005
Martha Medeiros

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